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Pequeno conto mitológico

O fogo entediava-se muito por irradiar e queimar sozinho. Braseiro estelar, fornalha de sóis, pura energia sem nome, sem forma e sem história. 

Sem começo nem fim, sem dimensão nem alvos sem “eu” nem “outro”, sem ignorância nem conhecimento, sem inimigo nem amigo, sem atração nem repulsa, o fogo entediava-se de verdade.

Apesar disso, torturava-o um intenso e ardente desejo de fazer, de agir, de dispender sua energia, uma sede inextinguível de experiência. Então ele se pôs a sonhar…

De início, foram as formas diáfanas, impalpáveis e evanescentes que surgiram, dançaram, adejaram e subitamente se dissiparam.

Assim foi criado o ar!

Essas formas com certeza eram de uma delicadeza cambiante, de uma liberdade, de uma agilidade e de uma fantasia maravilhosa, mas eram fugidias, completamente desprovidas de consistências e volatizavam-se em todos os azimutes.

Em sua sede de experiências concretas, o fogo continuava insatisfeito. Mergulhou então no sono…

As formas aéreas tornaram-se pesadas, lânguidas, desprendidas, e fluíram como massa liquida, que tudo unificava, nivelava, dissolvia.

Assim foi criada a água!

Certamente ocorreu um relaxamento, um apaziguamento, um acordo íntimo, uma osmose e uma efusão quase estáticas; o fogo sentiu que poderia soçobrar total e definitivamente nesse meio fluido, indiferenciado e sem limites.

Mas o impulso inicial, a sede de experiência estava sempre presente, de modo insistente e imperioso.

 

Então ele se concentrou, tornou-se consistente, cristalizou-se, fracionou-se, materializou-se numa multiplicidade de coisas e criaturas sólidas, que dispunham de uma massa e de contornos definidos.

Assim foi criada a terra!

Pelo fogo que as animava, estas coisas e criatura agiam, evoluíam, transformavam-se, nasciam e morriam.

E, desta forma, o fogo enfim podia fazer todas as experiências possíveis. Podia finalmente dizer a si mesmo: sou isto e não outra coisa, tenho um começo, um fim, sei, não sei, quero e não quero.

Por meio da água, quando se sentia imobilizado, crispado, isolado num corpo rígido, podia se soltar, fundir-se, amoldando-se em outras formas.

Por meio do ar, podia sonhar, dançar, brincar, circular, desvencilhar-se das limitações e das densidades.

Mas pelo fato de habitar tantas formas, de se contar tantas histórias, de assumir tantos papéis, pelo fato de se dispensar no ar, de se expandir na água, de se condensar na terra, acabou sendo aprisionado pelo jogo, esquecendo suas origens, sua verdadeira natureza, inclusive e sobretudo a pura luz de onde proviera.

Como se ele mesmo estivesse enfeitiçado, a ponto de estar infinitamente obnubilado, sinceramente convencido, disse a si mesmo: “sou seixo, raminho de mato, pinheiro; sou formiga, rã, cavalo – sou homem”.

Pequeno conto mitológico

O fogo entediava-se muito por irradiar e queimar sozinho. Braseiro estelar, fornalha de sóis, pura energia sem nome, sem forma e sem história. 

Sem começo nem fim, sem dimensão nem alvos sem “eu” nem “outro”, sem ignorância nem conhecimento, sem inimigo nem amigo, sem atração nem repulsa, o fogo entediava-se de verdade.

Apesar disso, torturava-o um intenso e ardente desejo de fazer, de agir, de dispender sua energia, uma sede inextinguível de experiência. Então ele se pôs a sonhar…

De início, foram as formas diáfanas, impalpáveis e evanescentes que surgiram, dançaram, adejaram e subitamente se dissiparam.

Assim foi criado o ar!

Essas formas com certeza eram de uma delicadeza cambiante, de uma liberdade, de uma agilidade e de uma fantasia maravilhosa, mas eram fugidias, completamente desprovidas de consistências e volatizavam-se em todos os azimutes.

Em sua sede de experiências concretas, o fogo continuava insatisfeito. Mergulhou então no sono…

As formas aéreas tornaram-se pesadas, lânguidas, desprendidas, e fluíram como massa liquida, que tudo unificava, nivelava, dissolvia.

Assim foi criada a água!

Certamente ocorreu um relaxamento, um apaziguamento, um acordo íntimo, uma osmose e uma efusão quase estáticas; o fogo sentiu que poderia soçobrar total e definitivamente nesse meio fluido, indiferenciado e sem limites.

Mas o impulso inicial, a sede de experiência estava sempre presente, de modo insistente e imperioso.

 

Então ele se concentrou, tornou-se consistente, cristalizou-se, fracionou-se, materializou-se numa multiplicidade de coisas e criaturas sólidas, que dispunham de uma massa e de contornos definidos.

Assim foi criada a terra!

Pelo fogo que as animava, estas coisas e criatura agiam, evoluíam, transformavam-se, nasciam e morriam.

E, desta forma, o fogo enfim podia fazer todas as experiências possíveis. Podia finalmente dizer a si mesmo: sou isto e não outra coisa, tenho um começo, um fim, sei, não sei, quero e não quero.

Por meio da água, quando se sentia imobilizado, crispado, isolado num corpo rígido, podia se soltar, fundir-se, amoldando-se em outras formas.

Por meio do ar, podia sonhar, dançar, brincar, circular, desvencilhar-se das limitações e das densidades.

Mas pelo fato de habitar tantas formas, de se contar tantas histórias, de assumir tantos papéis, pelo fato de se dispensar no ar, de se expandir na água, de se condensar na terra, acabou sendo aprisionado pelo jogo, esquecendo suas origens, sua verdadeira natureza, inclusive e sobretudo a pura luz de onde proviera.

Como se ele mesmo estivesse enfeitiçado, a ponto de estar infinitamente obnubilado, sinceramente convencido, disse a si mesmo: “sou seixo, raminho de mato, pinheiro; sou formiga, rã, cavalo – sou homem”.